Há uma limitação desconcertante da nossa mente: a confiança excessiva no que acreditamos saber e a aparente incapacidade em admitir a verdadeira extensão da nossa ignorância, junto com a incerteza do mundo em que vivemos.

Daniel Kahneman - Livro "Pensar, Depressa e Devagar"

Diariamente tomamos centenas de decisões: xadrez ou riscas? leite de vaca ou de soja? sapatos rasos ou com salto? levantar ou ficar na cama? fazer ou não exercício? comer ou não bolachas? Ao longo da vida, outras mais estruturais: casar? ter filhos? mudar de emprego? ter aquela conversa difícil?...

Tomar estas decisões de forma automática, no dia a dia, é a opção mais inteligente, poupando energia para outros estímulos mais exigentes. Contudo, quando este automatismo deixa de ser aplicado apenas a decisões simples e é estendido a outras mais complexas e importantes, pode ter implicações mais sérias. Tudo isso dá margem para que o nosso cérebro cometa erros, originando os viés cognitivos, criados a partir de heurísticas. Estas são atalhos mentais, baseados em experiências e perceções prévias, para resolver problemas e lidar com a incerteza. Apesar destes shortcuts serem vantajosos, por vezes poderão levar a erros sistemáticos ou viés na avaliação, e, com isso, a desvios de racionalidade e lógica.

O cérebro é, sem dúvida, a nossa grande vantagem competitiva. A curiosidade e o entusiasmo são os seus alimentos preferidos; o seu superpoder é a capacidade em cooperar. Na tomada de decisão, a razão e a emoção coexistem e influenciam-se mutuamente, entrando muitas das vezes em conflito.

Daniel Kahneman, psicólogo e o pai da economia comportamental, venceu o prémio nobel da economia em 2002, evidenciando que o ser humano é pouco racional neste processo. No seu livro “Pensar, Depressa e Devagar” descreve 2 formas de pensamento: o sistema 1, rápido, intuitivo e guiado pelas emoções. E, por outro lado, o sistema 2, mais lento, ponderado e racional. No primeiro somos espectadores e no segundo autores das nossas ações e pensamentos.

Um exemplo desta pouca racionalidade é o fenómeno denominado por aversão à perda: somos mais influenciados pela possibilidade de perda do que pelos ganhos. A desilusão é mais intensa ao perdermos 100 euros comparativamente com a felicidade em encontrar uma nota de 100. Outro exemplo documentado é a heurística “peak–end rule”, na qual as pessoas avaliam a sua experiência na forma como se sentiram no seu ponto mais intenso e no seu final, mais do que na soma total ou na média de cada momento da mesma. Por exemplo, para os utentes de colonoscopia a melhor experiência era relatada se a intervenção fosse mais longa com dor mais moderada, comparativamente com uma intervenção mais curta, mas com níveis de dor mais intensos.

Por outro lado, António Damásio, em “O Erro de Descartes”, demonstrou que as emoções são fundamentais na tomada de decisão e a sua ausência pode prejudicar a racionalidade e o comportamento social adaptativo. Estas fornecem importantes incentivos neste processo, influenciando-o: se gostamos de estar com alguém é provável que aceitemos mais facilmente as suas ideias ou conselhos. Se simpatizamos com determinado político há maior probabilidade em anuir com as suas convicções. Por exemplo, numa entrevista de emprego a alguém com ótimo CV e referências, mas cujo tom de voz e/ou expressão facial causara alguma emoção negativa ao entrevistador, é provável que esse indício possa determinar a decisão final, relativamente à sua contratação.

Assim e em modo de recomendações, é fundamental ter consciência do estado emocional e procurar no mesmo sinais na decisão final. Contudo, num nível mais avançado as emoções poderão ter de ser “domadas” e sobrepostas por outras variáveis mais racionais. Como refere António Damásio, “o ponto ideal para a efetividade do raciocínio e tomada de decisões é a felicidade com uma ponta de tristeza, porque na euforia o pensamento baralha-se”.

Numa organização, como na vida, a tomada de decisões mais complexas devem ser percecionadas como um produto elaborado de uma determinada forma. Sendo produto, devemos analisar o seu processo de forma crítica, assegurando maior objetividade nos seus resultados: Ao avaliar um colaborador reflita se a sua ponderação está baseada em grande parte por factos mais recentes - viés da disponibilidade - ao invés de analisar o desempenho num período mais longo. Informe-se a partir de diferentes fontes; desconfie de ideias populares ou até da sua intuição, valorizando factos e ideias precisas, objetivas e confiáveis.

Lembre-se que somos programados para gostar daquilo e daqueles que concordam com nossa visão de mundo, gerando pensamentos seletivos - viés da confirmação. Os algoritmos das redes sociais não funcionam desta forma?

Referências

Ariely, D. (2020). Previsivelmente Irracional. Lua de Papel. Lisboa.

Damásio, A. (1995). O Erro de Descartes. Publicações Europa-América. Lisboa. Kahneman, D. (2014). Pensar, depressa e devagar. Temas e Debates. Lisboa.

Escrito por Vera Fernandes